São Paulo, 29 (AE) - Visto como um casal modelo, o ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, e sua mulher, Tipper, anunciaram a separação após 40 anos de casados. Gore e Tipper, típico retrato do american way of life, engrossam a lista da nova geração que recomeça a vida após um relacionamento maduro.
O tema vem sendo alvo de pesquisas e livros, entre eles, "Começar de Novo - o Divórcio na Terceira Idade" (Rocco), da jornalista americana Deirdre Bair. Entre 2004 e 2006, ela ouviu 394 pessoas - 126 homens, 184 mulheres e 84 filhos adultos - de diversas cidades dos Estados Unidos e do exterior, reunindo um mosaico de histórias de pessoas de todas as classes sociais. No final das contas, observou o que se vê também por aqui: a mulher é quem toma a iniciativa pela separação.
No Brasil, as mulheres maduras estão investindo em relacionamentos afetivos. Segundo pesquisa do IBGE, as brasileiras na faixa de 40 a 44 anos estão se casando mais. O instituto constatou um aumento de quase 220%, entre 1997 e 2008.
A jornalista e historiadora Marcia Camargos viveu a separação em dois momentos de sua vida, aos 28 e aos 40 "e muitos" anos. "Aos 20 e sem filhos, você tem a vida pela frente, nem todos os seus amigos estão casados e é mais fácil encontrar um parceiro. Aos 40 ou 50, o casal tem uma história de muitos anos juntos, permeada pela identidade social, cultural e emocional. Uma ruptura arranca a pele. O frescor da juventude se foi, mas há quem dê valor a outros atributos, como a sua experiência de vida e a sexualidade plena. Talvez por isso a mulher madura desperte o interesse de homens mais jovens e culturalmente refinados", opina Marcia, que é mãe de um casal de filhos de 18 e 20 anos.
Casada durante 22 anos e separada há 3, Marcia resolveu escrever um livro sobre o assunto - "Separar Depois dos 40", da Panda Books -, pincelando experiências pessoais com depoimentos de outras mulheres maduras e de diferentes profissões. "Nenhuma delas disse que se arrependeu e a maioria tomou a iniciativa para a separação", conta. No livro, uma espécie de guia para quem ainda está experimentando os primeiros acordes da liberdade, os depoimentos pessoais são entremeados com dicas bem humoradas da autora, entre elas, a de dar um up ao visual.
Mudança radical
"Eu me casei para dar certo e, no meio do caminho, isso se modificou", resume Maria Isabel Orihuelea, 50 anos, engenheira química e artista plástica, divorciada há cinco. Mãe de três filhos com 26, 24 e 21 anos, ela foi casada por 22 anos e tomou a iniciativa para a separação, já que a relação tinha esfriado.
A família morava em uma casa confortável na Granja Viana e, com as mudanças, ela e a filha mudaram-se para um apartamento em São Paulo, enquanto os dois meninos ficaram morando com o pai, em função dos estudos. "Foi um baque, porque passei mais da metade da minha vida sendo provida.Tive pensão por três anos, mas depois fui à luta", diz ela, que, após três tentativas mal sucedidas no comércio, trabalha como corretora de imóveis.
Conta que viveu uma fase adolescente. "Saía com as amigas e ia a baladas, mas achando aquilo muito diferente da minha geração, especialmente a forma de os homens se aproximarem. Essa fase de deslumbramento durou uns dois anos, quando refleti sobre o que me valia realmente a pena." Mas não descarta um novo casamento. "Gostaria de ter uma relação estável, mas não seguindo o modelo de provedor emocional e financeiro."
Vida nova
Para Tania Trevisan, 51 anos, à frente da Trevisan Publicidade, o processo de separação foi doloroso e frustrante. "Primeiro vem a sensação de fracasso, depois a vida segue. Por ter duas filhas maravilhosas, na época com 18 e 15 anos e que me apoiaram desde o início, consegui me fortalecer. Tive a força das amigas e, na sequência, a descoberta de meu potencial profissional."
Foram 20 anos de casamento, conta Tania, separada há 10. "A infidelidade e a falta de interesse dele pesaram na decisão. Tentei manter a relação, pois o amava muito. Éramos unidos, viajávamos com a família, saíamos para dançar nos fins de semana, íamos ao clube com os amigos em comum." Após a separação, a situação financeira passou por transformações significativas, mas ela soube reverter o quadro. "Houve uma mudança importante no amadurecimento emocional, e o maior ganho foi ampliar a rede de contatos." Em outubro, foi morar em Lisboa, para dirigir a área de eventos da agência. "Penso que foi uma forma de mostrar para mim e para o mundo que é possível uma mulher depois dos 40 ir sozinha para outra terra e conquistar vitórias."
Tania, que já teve alguns parceiros mais jovens, no momento não está namorando, mas acredita que a qualquer momento vai encontrar alguém interessante, compatível, cheio de vida e que deseje construir um relacionamento saudável. "O importante não é estar casada no papel, mas sim me sentir no papel de casada, com o compromisso de troca de carinho, amizade e companheirismo."
Ao seu ver, uma conjunção de fatores leva as mulheres maduras e infelizes no casamento a tomarem uma iniciativa nessa altura da vida. "Sentem-se mais seguras profissionalmente, usam o autoconhecimento a seu favor e, se o relacionamento as incomodam, tomam uma atitude", opina.
Psicoterapeuta diz que, em 90% dos casos, é a mulher quem toma a iniciativa
Para Ana Cláudia Simão, psicoterapeuta sexual, nem casamento nem divórcio é garantia de felicidade. "Tudo vai depender do modelo de casamento ou do que se planeja com a separação. A mulher idealiza demais. Seja qual for a situação, o importante é ser realista", comenta.
Em 30 anos de consultório, observa que, em 90% dos casos, a iniciativa da separação é da mulher. "Os homens, em especial os mais velhos, não sabem se cuidar. Eles saem da casa da mãe e procuram no casamento alguém que continue cuidando deles. Se a relação está deteriorada, empurram com a barriga. Já a mulher não é hipócrita e sai em busca do equilíbrio, harmonia e mudanças de objetivos de vida que lhe tragam prazer."
Uma das queixas mais frequentes delas é a imposição social e cultural das tarefas domésticas e educação dos filhos. Com o passar dos anos, essa sobrecarga vai se acumulando, como uma válvula de pressão. "O homem ainda não internalizou que a casa é dele, a comida é dele, a roupa é dele, e que os filhos também são dele. E ainda reclamam que a mulher está sempre cansada e que não está a fim de sexo!"
Quanto aos filhos, o que importa não é o divórcio em si, afirma, mas a forma como se dá o processo. "Caso o assunto tenha sido exposto de forma clara e tranquila, a aceitação é melhor. Os filhos não acham que casamento de fachada é sinônimo de aprendizado. Se o casal insiste em manter as aparências, eles acabam repetindo esse modelo de relacionamento no futuro." (V.F./AE)
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